A casa é dos micróbios.
Vivemos rodeados por eles.
Uma vizinhança exclusiva de bactérias convive connosco nas nossas casas. Foi o que descobriu a chamada “ecologia dos ambientes construídos”, uma nova disciplina científica que estuda a microfauna doméstica para melhorar a nossa qualidade de vida.
Enquanto o professor desliga o projetor, os alunos precipitam-se para fora da sala. Aproxima-se o final do dia e a Universidade do Oregon despede-se dos seus habitantes macroscópicos. É o momento em que James Meadow, do Centro de Biologia e Ambiente Construído (BioBE, na sigla em inglês), inicia o seu meticuloso trabalho. Meadow dirige-se para uma sala de aulas previamente selecionada. Ali, passa uma espécie de cotonete de tamanho gigante por várias superfícies: chão, mesas, cadeiras, paredes... até cobrir toda a divisão. Uma paciente recolha de amostras que, depois de efetuados os testes genéticos adequados, servirá para desvendar os mistérios dos residentes invisíveis da sala de aulas: os micro-organismos.
Estima-se que, nas sociedades desenvolvidas, a maior parte das pessoas passa 90 por cento da sua existência dentro de casa. Todavia, não conhecemos o ecossistema que nos rodeia. “De onde vêm todos esses micróbios?”, interroga-se Meadow. “Chegaram ali porque os levámos ou esperam que passemos perto para colonizar o nosso corpo?” Esta e outras interrogações no mesmo sentido deram origem a um inovador ramo científico: a ecologia dos ambientes construídos.
“A transição para um meio artificial alterou o equilíbrio que mantínhamos com o microbioma [o conjunto de micro-organismos que se encontram habitualmente em diferentes partes do corpo], muito antes de se terem descoberto os antibióticos”, explica o especialista. “Hoje, vivemos em espaços que são limpos a fundo, quase isolados do exterior e com um perfil microbiológico único. É lógico pensar que esse ecossistema interage com as espécies microbianas que habitam o nosso organismo.”
Usam-nos como veículos.
Três vezes mais abundantes do que as próprias células, os micro-organismos que vivem no interior do nosso corpo são essenciais para a sobrevivência: funções tão importantes como a digestão ou a imunidade dependem deles. Contudo, desde que se descobriu, no século XIX, o papel de determinados agentes patogénicos no aparecimento de infeções, aposta-se na higiene como método de prevenção. De sabonetes antibacterianos a geles com álcool, existe uma infinidade de produtos para esse fim, mas trata-se de métodos pouco seletivos, que alguns especialistas consideram demasiado agressivos.
As amostras reunidas na Universidade do Oregon permitiram retirar várias conclusões. Meadow verificou que a presença de espécies microscópicas em determinadas superfícies depende de um único fator: a zona do corpo que está mais frequentemente em contacto com os objetos. Assim, abundam nas cadeiras os Lactobacillus, habitantes do intestino e das zonas genitais. Os residentes da pele e da saliva povoam o tampo das mesas, assim como o chão, o local mais heterogéneo e com maior presença de micro-organismos exteriores, que chegam agarrados às solas dos sapatos. Por último, nas paredes, menos expostas ao contacto direto, apenas vivem as bactérias presentes na atmosfera.
“Confirmamos que o corpo humano é o veículo da maioria dos micróbios. A forma como interagimos com cada lugar e objeto determina as espécies que surgirão”, explica Meadow, acrescentando: “Seja como for, a diversidade nunca é grande; os materiais ou a arquitetura do edifício limitam a sobrevivência e a dispersão dos micróbios.”
Maria Gloria Domínguez-Bello, do Centro Médico NYU Langone, em Nova Iorque, estudou estas formas de vida em lugares remotos da floresta venezuelana e comparou os resultados com os de outros habitats. Em concreto, fez um recenseamento dos micróbios de quatro populações distintas: um grupo tribal, uma aldeia rural, uma cidade pequena e uma moderna metrópole. Conseguiu, assim, perceber as consequências do progressivo afastamento urbano da natureza. “Tomamos antibióticos, comemos alimentos processados e nascemos de cesariana. Estas mudanças alteraram o microbioma humano, com consequências que começam agora a estudar-se, mas também contribuíram para modificar as comunidades que nos rodeiam. Há consequências internas e externas”, diz.
Enquanto, na floresta tropical, as casas estão cheias de micróbios, à medida que nos aproximamos da grande cidade, a sua quantidade e diversidade diminuem, tanto dentro como fora do corpo humano. A especialista pensa que isso se deve a várias razões. “O tamanho dos edifícios cresceu e as famílias começaram a dispor de mais espaço. Em consequência, diminuiu o contacto físico, desapareceram as zonas comuns e os espaços dedicados à higiene e à preparação de alimentos, focos importantes de bactérias, foram separados. Além disso, aumentou o uso de materiais sintéticos, que colocam novos desafios à comunidade microbiana, e o intercâmbio de ar com o exterior foi drasticamente reduzido”, assinala a especialista.