Bactérias do intestino do Aedes podem ser armas contra dengue e outras doenças.
Experimento mostrou que microrganismo reduziu a sobrevivência das larvas e dos mosquitos.
Assim como os humanos, os mosquitos abrigam em seus intestinos uma enorme variedade de bactérias. Estudos recentes sugerem que modular o perfil desse microbioma pode ser uma estratégia para tornar os insetos mais resistentes à infecção por patógenos. Trata-se, portanto, de uma forma alternativa de controlar a disseminação de doenças como dengue, Zika, febre amarela, chikungunya e malária, entre outras.
O tema foi abordado por George Dimopoulos, professor da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health (Estados Unidos), durante a Escola São Paulo de Ciência Avançada em Arbovirologia. Apoiado pela FAPESP, o evento foi realizado entre os dias 29 de maio e 9 de junho em São José do Rio Preto, interior de São Paulo.
— Até agora, as doenças transmitidas por vetores, especialmente a dengue, têm sido combatidas basicamente com a aplicação de inseticidas e modificações ambientais, como eliminação de criadouros do mosquito transmissor. Embora esses métodos tenham alcançado algum sucesso, há uma dificuldade logística de mantê-los no longo prazo e, por isso, os retrocessos são frequentes. Existe a necessidade de desenvolver novas estratégias de controle.
Em seu laboratório, o pesquisador usou uma espécie de néctar artificial para alimentar mosquitos das espécies Aedes aegypti (transmissor dos vírus da dengue, Zika, febre amarela e chikungunya) e Anopheles gambiae (transmissor do parasita da malária) e, assim, colonizar seus intestinos com bactérias do gênero Chromobacterium.
O experimento mostrou que o microrganismo reduziu drasticamente a sobrevivência tanto de larvas quanto de mosquitos adultos. Além disso, os espécimes sobreviventes tornaram-se menos suscetíveis à infecção pelo vírus da dengue, no caso do Aedes, e pelo Plasmodium falciparum, no caso do Anopheles, explicou Dimopoulos.
— A ideia seria desenvolver um biopesticida, feito com essas bactérias naturalmente encontradas no solo e inofensivas à saúde humana. Poderíamos borrifar no ambiente, como um inseticida, ou explorar a preferência dos insetos por açúcar e criar um néctar artificial para ser colocado em dispositivos que atraem mosquitos. Também seria possível usar essa mesma bactéria para criar pastilhas, que podem ser colocadas nos criadouros e atingir as larvas.
Como comentou o cientista em sua apresentação, também estão sendo testadas no controle da dengue – em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil – outras abordagens que exploram bactérias do gênero Wolbachia.
— Estudos mostraram que determinadas cepas desse microrganismo, quando presentes no microbioma do Aedes, tornam o inseto resistente à infecção tanto pelo vírus da dengue quanto pelo Zika. E como essa bactéria é transmitida à prole pela mãe, pode ser propagada em toda uma população de mosquitos automaticamente.
De acordo com Dimopoulos, em teoria, bastaria liberar um pequeno número de mosquitos infectados com a cepa-chave de Wolbachia. Eles cruzariam com mosquitos encontrados na natureza e transmitiriam os microrganismos à prole, que também transmitiria à geração seguinte e, gradualmente, uma grande proporção de insetos se tornaria resistente aos patógenos.
— Uma coisa é certa: precisamos de uma variedade de estratégias para controlar doenças transmitidas por vetores. Medicamentos, vacinas, controle do mosquito e também alguma dessas novas estratégias de bloquear a infecção nos insetos. É como lutar em uma guerra. Não se ganha uma guerra com uma única arma.
Influência geográfica – Ainda durante a programação da Escola São Paulo de Ciência Avançada em Arbovirologia, o pesquisador Jayme Augusto de Souza-Neto, da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Botucatu, apresentou os resultados mais recentes de sua linha de pesquisa, que compara o microbioma e o perfil genético de três diferentes populações de mosquitos Aedes aegypti.
Os espécimes foram coletados nas cidades de Botucatu (SP), Neópolis (SE) e Campo Grande (MS). Após alimentar os mosquitos em laboratório com sangue contaminado com o sorotipo 4 do vírus da dengue, o grupo observou que apenas 30% dos mosquitos coletados no interior paulista se contaminavam, enquanto o índice ficava entre 70% e 80% nas outras duas populações, originárias de locais onde a incidência de dengue é maior.
Por meio de técnicas de sequenciamento de genes em larga escala, o grupo identificou as espécies de bactérias que colonizavam o intestino dos mosquitos e observou que o microbioma presente nos grupos mais e menos suscetíveis era completamente diferente. Os dados mostraram ainda que, enquanto em Botucatu a infecção alterou muito pouco a expressão gênica do mosquito, nas outras duas populações diversos genes foram ativados ou suprimidos em resposta ao vírus, contou Souza-Neto.
— Nós pensamos, inicialmente, que a diferença observada no microbioma poderia ter sido causada pela resposta imunológica desencadeada pelo vírus. Mas, quando reunimos várias populações em uma análise mais complexa, percebemos que os resultados se agrupam não pela suscetibilidade à infecção e sim pelo local de coleta dos mosquitos. Isso sugere que o microbioma seja definido pela geografia.
A hipótese que o grupo da Unesp tenta comprovar é a de que o microbioma do Aedes é definido pela genética do mosquito. Esses dois fatores em conjunto – genoma e microbioma – determinariam se o inseto vai ou não ser infectado pelo vírus da dengue. A pesquisa conta com apoio da FAPESP e, segundo Souza-Neto, os resultados poderão abrir caminho para novas estratégias de controle da doença.